Na terça-feira (16/11) foi sancionada a Lei 14.470/2022 que instituiu mudanças relevantes no enforcement privado do direito concorrencial brasileiro, visando a fomentar ações de indenização privada por danos concorrenciais. A vigência da lei é imediata para infrações cometidas após a sua entrada em vigor.
Os novos dispositivos introduzidos na lei concorrencial brasileira (Lei 12.529/2011) tem por objetivo facilitar e oferecer maior segurança para os autores de ações de indenização, com regras que (i) instituem o dano em dobro em caso de cartel, (ii) conferem certeza sobre o prazo de prescrição, (iii) trazem clareza sobre o ônus da prova acerca de repasse de dano (pass-on), entre outros dispositivos. Também foram inseridos benefícios para agentes que celebram acordos de cooperação com a autoridade antitruste, o Cade (Acordo de Leniência e Termo de Compromisso de Cessação – TCC), visando manter os incentivos para o regime de acordos de cooperação, dada sua relevância para a detecção e obtenção de provas de condutas anticompetitivas.
As mudanças instituídas são:
- Dano em dobro – As partes prejudicadas pela conduta de cartel terão direito a ressarcimento em dobro pelos prejuízos sofridos (double damages), exceto em relação aos agentes que celebrarem acordos de cooperação com o Cade (Acordo de Leniência e TCC).
- É possível que haja questionamentos sobre a constitucionalidade desse dispositivo, em vista da regra padrão de que a reparação por danos materiais deve ser feita na mesma extensão do dano – embora a regra não seja novidade em nosso ordenamento jurídico (vide a legislação consumerista, que prevê a repetição do indébito em dobro no caso de cobrança indevida do consumidor).
- Exclusão de responsabilidade solidária – Os agentes que celebrarem acordos com o Cade não serão solidariamente responsáveis pelos danos causados aos prejudicados.
- Observa-se que já existe discussão sobre a aplicabilidade do regime geral de responsabilidade civil solidária (vide arts. 264, 265 e 942 do Código Civil) sob o argumento de impossibilidade de presunção e a definição de coautoria. A no lei, portanto, traz segurança ao afastar expressamente a responsabilidade solidária daqueles que celebrarem acordos com o Cade (e mantém incentivos para celebração desses acordos).
- Definição de prazo prescricional – Institui o prazo de prescrição de 5 anos, contado a partir da ciência inequívoca do ilícito que, segundo indicado na nova lei, presume-se ocorrida com a publicação da decisão condenatória final no processo administrativo pelo Cade. Durante o curso das investigações pelo Cade, a prescrição estará suspensa.
- Não presunção de repasse de sobrepreço – A nova lei estabelece que não se pode presumir o repasse do sobrepreço (dano) pelo prejudicado por cartel. Em havendo alegação nesse sentido pelo réu, será desse o ônus da prova acerca do repasse.
- Tutela de evidência – A decisão do plenário do Cade pode ser utilizada para fundamentar a concessão de tutela de evidência.
- Há incerteza sobre a utilidade desse dispositivo, considerando possível escopo de tutela antecipada em ações de indenização.
As alterações são passo fundamental para incentivar as ações de reparação por danos privados, fomentando o enforcement privado do direito concorrencial como complemento ao enforcement público. Esse assunto vem sendo acompanhado e discutido pelo próprio Cade de forma mais intensa desde, pelo menos, 2016, quando houve debates sobre acesso a documentos da autoridade para fomentar ações privadas (vide, por exemplo, as consultas públicas que culminaram na Resolução 21/2018).
Antecipamos a possibilidade de controvérsia sobre a natureza de algumas das regras instituídas, se de natureza formal-processual ou material (e.g., regime de prescrição), e a possibilidade de sua aplicação em ações em andamento ou pendentes de ajuizamento, mas que tratam de fatos passados. A princípio, a aplicação imediata (inclusive para fatos passados) parece se restringir à regra sobre repasse de sobrepreço e ônus da prova, e sobre o uso de decisão final do Cade para fundamentar tutela de evidência.
Finalmente, cabe destacar que houve veto a um dos dispositivos do projeto de lei, que previa a obrigação de compromisso arbitral nos acordos de Termo de Compromisso de Cessação (TCC) com o Cade. O fundamento foi de que, embora tenha sido boa a intenção do legislador, isso geraria custos adicionais ao agente colaborador e poderia reduzir incentivos aos TCCs. Não obstante, manteve-se a ressalva da possibilidade de tal compromisso ser incluindo em processo de negociação com o Cade, tendo sido excluída tão somente a imposição normativa.