Brasil deverá aplicar retaliações unilaterais em disputas comerciais

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18/01/22

Brasil deverá aplicar retaliações unilaterais em disputas comerciais

O governo brasileiro confirmou na última semana que publicará Medida Provisória autorizando a aplicação de retaliações unilaterais quando tiver decisão favorável de painel da Organização Mundial do Comércio (OMC) e houver apelação “no vazio” do país-membro representado. Essa forma de atuação segue o exemplo da União Europeia que, em fevereiro de 2021, implementou procedimento semelhante por meio da Regulation (EU) 2021/167.

Diante da paralisação do órgão de apelação da OMC desde 2019 por um boicote dos EUA contra a indicação de novos árbitros e da ausência de expectativa de solução desse impasse, países interessados em manter o funcionamento de um sistema de solução de controvérsias multilateral vêm enfrentando dificuldades para encerrar disputas e executar decisões.

Uma das alternativas encontradas foi a implementação do denominado Multi-party interim appeal arbitration arrangement (MPIA), um tribunal arbitral temporário que opera sob as regras da OMC e vem garantindo, para certos membros, o duplo grau de jurisdição enquanto o órgão de apelação está paralisado. O MPIA surgiu de uma proposta da União Europeia e já conta com 25[1] países-membros aderentes, incluindo o Brasil.

O reconhecimento da competência do MPIA para resolver determinado caso, no entanto, depende da aceitação expressa dos países envolvidos em uma disputa. Países com políticas protecionistas vêm se aproveitando desse vácuo criado no sistema de solução de controvérsias da OMC, apresentando recursos ao órgão de apelação paralisado quando perdem uma disputa em painel; essa apelação “no vazio” somente poderá ser avaliada após eventual recomposição do órgão.

E foi justamente esse o caso em duas disputas do Brasil na OMC. O país recebeu, recentemente, decisões favoráveis de painéis em pleitos apresentados contra a Índia (DS579 – açúcar) e Indonésia (DS484 – carne de frango), mas os países representados apresentaram apelações no vazio para o órgão de apelação.

Dessa forma, o Brasil pretende implementar legislação que permite a aplicação de retaliação[2] unilateral contra o país-membro que perder uma disputa em sede de painel e não aceitar a participação em um mecanismo paralelo de arbitragem.

Os detalhes e sistemática da retaliação unilateral que poderá ser aplicada pelo Brasil ainda são desconhecidos, mas é esperado que Índia e Indonésia sejam os primeiros afetados, servindo como ensaio.

[1] Até 30 de junho de 2021.

[2] A retaliação é um mecanismo previsto nos acordos da OMC e prevê que, caso o país representado e perdedor da disputa não altere políticas ou decisões consideradas como em desacordo com as regras da OMC, o país vencedor da disputa poderá suspender concessões ou obrigações garantidas àquele membro por meio da imposição de sobretaxas a uma cesta de produtos e serviços, ou mesmo a suspensão de direitos de propriedade intelectual. O valor total e a aplicação de retaliação são tradicionalmente realizados após o fim da disputa e devem ser autorizados pelo órgão de solução de controvérsias (“Dispute Settlement Body” – DSB). As informações e declarações de representantes do governo brasileiro indicam que a retaliação unilateral proposta será aplicada independentemente de aprovação do DSB.