A 171ª Sessão Ordinária de Julgamento do Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ocorrida na última semana, trouxe à tona relevante discussão sobre a condenação de pessoas físicas. O tema foi abordado durante o julgamento dos Processos Administrativos nº 08700.000066/2016-90 e nº 08700.009879/2015-64.
O Conselheiro Sérgio Ravagnani adotou interpretação inovadora do artigo 37 da Lei 12.529/2011, que define as penas aplicadas por infração à ordem econômica. Na visão do Conselheiro, essas penalidades pecuniárias não seriam aplicadas às pessoas físicas não administradoras relacionadas a pessoas jurídicas, entendimento que contraria a jurisprudência do Cade. A intepretação sugerida pelo Conselheiro, contudo, não excluiria a aplicação da Teoria da Aparência, segundo a qual pessoas físicas que formalmente não são administradoras poderiam ser tratadas – e, portanto, penalizadas – como tal, se comprovado que detinham poder de decisão e ingerência. Nesses casos, para o Conselheiro, é necessário um aprofundamento na análise e individualização das condutas.
Para chegar a tal conclusão, o Conselheiro analisou o histórico legislativo do referido artigo 37, concluindo que o legislador optou por não incluir expressamente essas pessoas no rol de sujeitos da lei aos quais se aplica o artigo 37. O que não significaria, contudo, que a Lei como um todo não é aplicável a essas pessoas físicas.
Ainda, ao analisar o texto legal, o Conselheiro concluiu que o inciso II, do art. 37, ao fazer referência às “demais pessoas físicas”, se refere ao texto que lhe precede e não ao que lhe sucede, ou seja, ao inciso I do mesmo artigo, fazendo referência às pessoas físicas empresárias ou demais pessoas físicas não relacionadas a pessoas jurídicas. Na visão do Conselheiro, há uma quebra clara na lógica seguida pelos artigos 36 e 37 a partir do art. 37, III. Enquanto o art. 36 e 37, I e II adotam a responsabilização objetiva – sendo suficiente a comprovação da autoria e materialidade do fato para que haja condenação – o inciso III do art. 37 inaugura a adoção da responsabilização subjetiva, sendo exigido para aplicação da pena, além da comprovação da autoria e materialidade do fato, a comprovação da culpa e dolo do sujeito. Neste entendimento, portanto, admitir que as pessoas físicas não administradoras estariam sujeitas às penalidades pecuniárias do artigo 37 com base no inciso II, as incluiria em um regime de responsabilização objetiva, o que parece injusto, na visão do Conselheiro.
O Conselheiro mencionou casos pretéritos que resultaram na condenação de pessoas físicas com baixos rendimentos e sem poder de administração sujeitas ao pagamento de multas bastante similares aos administradores, concluindo que essas distorções refletiriam uma interpretação equivocada da Lei. As Conselheiras Lenisa Prado e Paula Azevedo concordaram com o entendimento.
O Ministério Público Federal (MPF), o Conselheiro Hoffmann e o Presidente Alexandre Barreto exararam memoriais e votos discordando da nova interpretação. O MPF destacou que a legitimidade passiva perante o Cade seria regulamentada pelo art. 31 da Lei 12.529/2011, que, ao dispor que a “Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado” indicaria que não estaria limitada apenas aos administradores. Além disso, o art. 37 da Lei 12.529/2011, em seu inciso II, faz referência as “demais pessoas físicas”, incluindo “de modo expresso e indubitável” pessoas físicas que contribuam para a prática de ilícitos, o que não se confundiria com os administradores da empresa. Contudo, ciente de que pessoas físicas, bem como entes despersonalizados ou sociedades não empresárias, nem sempre possuiriam faturamento auferível – base para o cálculo da multa aplicada às empresas em geral – o legislador teria optado por aplicar técnica sancionatória alternativa, elencando os valores mínimos e máximos para a multa aplicável. Não haveria, portanto, óbice à aplicação de multa a subordinados, empregados ou agentes autônomos envolvidos em infrações à ordem econômica.
Da mesma forma concluiu o Conselheiro Luiz Hoffman, que defendeu que o legislador não desejava excluir as pessoas jurídicas não administradoras da aplicação da lei concorrencial, mas apenas diferenciar o valor da multa a elas imposta. Desta forma, ao fazê-lo, o julgador estaria adotando interpretação mais restritiva da lei, o que violaria o princípio da legalidade.
Pontuou algumas outras preocupações, como o risco desse entendimento para o enforcement concorrencial; a falta de consenso sobre o conceito de administrador, implicando em risco de ampliação da teoria da aparência, resultando em uma maior insegurança jurídica; e a possibilidade de garantir maior abrangência à esfera penal – que classifica a conduta de cartel como crime – em relação a esfera administrativa, violando, assim o princípio da última ratio do direito penal. O Presidente Alexandre Barreto alinhou-se ao entendimento do Conselheiro Luiz Hoffmann, destacando que o fato de haver extensa jurisprudência a respeito da matéria, por si só, não obstaria revisão do entendimento aplicado, mas que a inexistência de controvérsias com relação ao entendimento aplicado se daria por boas razões.
O Plenário, por maioria, no julgamento do PA nº 08700.000066/2016-90, afastou o entendimento defendido pelo Conselheiro Sergio Ravagnani. Contudo, o julgamento do PA nº 08700.009879/2015-64 foi suspenso em razão de pedido de vista e ainda não está concluído.[1]