Conforme antecipado por membros do governo, a Presidência da República publicou na última semana a Medida Provisória n. 1.098/2022 que autoriza a aplicação de retaliação unilateral caso o país tenha suas demandas confirmadas por painel (em parte ou integralmente), e o país-membro demandado apresente recurso para o Órgão de Apelação paralisado.
A Medida parece ter origem na insatisfação de países atuantes na Organização Mundial do Comércio (OMC) e em seu Órgão de Solução de Controvérsias (DSB), como o Brasil e a União Europeia, que têm visto demandas confirmadas em pelo menos uma instância não serem concluídas.
Países demandados que têm suas políticas consideradas como infringentes às regras multilaterais tem estrategicamente utilizado essa paralisação do Órgão de Apelação (AB) para impedir a conclusão dos casos com a apresentação de recursos que não poderão ser revisados até eventual recomposição do AB (apelação no vazio).
Essa foi a estratégia que recentemente impediu a conclusão de contenciosos iniciados pelo Brasil e que já contavam com decisão favorável do DSB. Em janeiro de 2022, a Índia anunciou sua intenção de apelar (no vazio) contra o relatório de painel que confirmou as alegações apresentadas pelo Brasil em contencioso envolvendo o açúcar. Em dezembro de 2020, a Indonésia, que havia solicitado prazo adicional para adotar decisão da OMC (de novembro de 2017), decidiu apelar contra relatório que entendeu que o país ainda não havia ajustado corretamente suas medidas relacionadas à importação de carnes de aves do Brasil para que não infringissem as regras da Organização.
E situações como essas podem voltar a ocorrer caso o Órgão de Apelação não seja reestabelecido. Segundo levantamento feito pelo Portal da Indústria no final de 2021, o Brasil é o quinto principal usuário do mecanismo de solução de disputas da OMC, o quarto país mais demandante entre todos os membros e primeiro entre os emergentes. Ainda, o Brasil é, proporcionalmente, o membro mais ofensivo no uso do DSB, sendo o reclamante em 67% dos casos em que está envolvido.
A Medida Provisória publicada pelo Brasil, nessa esteira, autoriza o governo a suspender concessões ou outras obrigações para outro país-membro (retaliação) nas seguintes hipóteses:
- O Brasil seja autorizado pelo DSB a suspender a aplicação de concessões ou outras obrigações para um determinado membro.
- O relatório de grupo especial da OMC confirmar, no todo ou em parte, as alegações apresentadas pelo Brasil, na condição de parte demandante, desde que:
- O país-membro demandado tenha apresentado apelação ao DSB;
- A apelação não possa ser apreciada pelo AB, ou seu relatório não possa ser aprovado pelo DSB; e
- Tenha decorrido o prazo de 60 após notificação do Brasil ao membro da OMC demandado sobre sua intenção de suspensão de concessões ou de outras obrigações.
Assim, a orientação do Governo Brasileiro é de, ainda dentro das regras da OMC, buscar consultas e negociação com os eventuais países-membros demandados e que possam ser objeto de retaliação, mas garantir maior força ao Brasil nessas discussões diante da possibilidade de que a suspensão de concessões dadas às importações de bens e serviços oriundas desses países, ou mesmo da suspensão de direitos de propriedade intelectual.
A conduta e passos a serem adotados pelo Brasil, contudo, ainda serão conhecidos conforme o avanço das discussões com a Índia e a Indonésia.
A íntegra da Medida Provisória pode ser encontrada aqui.