Introdução
Os embargos de declaração, aplicáveis ao processo administrativo sancionador do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) estão previstos em norma infralegal. Com efeito, estabelece o art. 219 do Regimento Interno do Cade (Ricade): “Das decisões proferidas pelo Plenário do Tribunal, poderão ser opostos embargos de declaração, nos termos do art.1.022 e seguintes do Código de Processo Civil, no prazo de 5 (cinco) dias, contados de sua respectiva publicação em ata de julgamento, em petição dirigida ao Conselheiro-Relator, na qual o embargante indicará a obscuridade a ser esclarecida, a contradição a ser eliminada, omissão a ser suprida quanto a ponto ou questão sobre o qual o Tribunal devia se pronunciar de ofício ou a requerimento, ou o erro material a ser corrigido na decisão embargada”.
Aplicação a todas as decisões
Desde logo vê-se que os embargos de declaração são aplicáveis, se limitados à norma infralegal mencionada, somente em relação às decisões do Plenário do Cade, ficando logicamente excluídas as decisões tomadas anteriormente. Mas não deve ser assim. Com efeito, a lei – art. 1.022 do Código de Processo Civil (CPC), invocada inclusive pela norma infralegal mencionada – prevê que “cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial”. Assim, não de deve excluir quaisquer decisões, sejam elas inclusive monocráticas e/ou interlocutórias, proferidas no processo administrativo sancionador do Cade. Vale aqui lembrar que as leis estão acima das normas infralegais, estando o CPC, ainda que aplicado subsidiariamente de acordo com o art. 115 da Lei de Defesa da Concorrência (LDC), acima dos regimentos.
Deve aqui ficar claro que um regimento interno é uma norma que regulariza o funcionamento de um determinado grupo ou de uma entidade; isso vale sobretudo para os tribunais. Vale como norma, embora de hierarquia mais baixa. Portanto, é o que se passa com o Ricade: é norma mas é inferior à lei. Consequentemente, o CPC, ainda que aplicado subsidiariamente, é lei e como tal é superior hierarquicamente ao Ricade. As próximas linhas deste artigo tomam por base esta constatação.
Esclarece Teresa Arruda Alvim que “as tendências contemporâneas predominantes só permitiriam entender que este direito estaria realmente satisfeito sendo efetivamente garantida ao jurisdicionado a prestação jurisdicional feita por meio de decisões claras, completas e coerentes” ¹. É claro que todas as decisões devem seguir estas qualificações, razão pela qual não se pode excluir da embargabilidade quaisquer decisões, aqui fazendo referência específica às decisões anteriores àquelas proferidas pelo Tribunal do Cade. Com efeito, qualquer decisão pode sofrer dos males que os embargos de declaração têm por objetivo sanar.
Efeito suspensivo
O art. 222 do Ricade estabelece que “os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo (…)”. Recorrendo-se ao CPC, vê-se que a redação do caput do art. 1.026 é igual. Mas o respectivo § 1º é eloquente: “A eficácia da decisão monocrática ou colegiada poderá ser suspensa pelo respectivo juiz ou relator se demonstrada a probabilidade de provimento do recurso ou, sendo relevante a fundamentação, se houver risco de dano grave ou de difícil reparação”. Mais uma vez prevalece a lei sobre o regimento.
Um bom exemplo de decisão que deve merecer efeito suspensivo é dado por Teresa Arruda Alvim ao falar da “real impossibilidade de a decisão ser cumprida porque contem obscuridade, contradição ou omissão que realmente comprometam a sua inteligibilidade”². Isso significa claramente que o Relator do processo no Tribunal do Cade – e bem assim qualquer autoridade da autarquia que profira decisões embargadas – pode conceder efeito suspensivo aos embargos de declaração sempre que as condições o exigirem. Ainda segundo a mesma autora, “a doutrina, nesse início de vigência do NCPC, classificou como hipóteses para concessão de efeito suspensivo aos Embargos de Declaração os mesmos requisitos para concessão da tutela de evidência e a tutela de emergência”³.
Assim, havendo fumaça do bom direito e perigo na demora, o prolator da decisão embargada deve conceder o efeito suspensivo aos embargos de declaração porque o CPC assim o prevê e o sistema só resta completo se visto em sua maior abrangência, não importando o fato de que o Ricade não estabeleça tal efeito, se o CPC, que lhe é hierarquicamente superior, contenha tal previsão.
Efeito infringente
Tem-se colocado como regra a impossibilidade dos embargos de declaração não poderem ser recebidos com efeito infringente, já que a sua função é (i) esclarecer obscuridade, (ii) eliminar contradição, (iii) suprir omissão ou (iv) corrigir erro material. De fato, o efeito infringente não existe aprioristicamente; se, por exemplo, no recurso de apelação o objetivo é tornar procedente o que é improcedente ou improcedente o que é procedente, o mesmo não ocorre nos embargos de declaração. Todavia, é possível que o acolhimento dos embargos de declaração implique, ainda que como resultado secundário e/ou subsequente, na necessidade de reconhecimento do efeito infringente. Isso fica claro ante a leitura do art. 1.024 do CPC: “Caso o acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embargada (…)”.
A exemplificação não é complexa. Num processo resultante de acidente de trânsito, o Juiz decidiu que o culpado foi o condutor do veículo A pois ele é azul e as marcas do acidente no veículo B eram azuis; todavia, se, nos embargos de declaração, for reconhecido erro material pois o veículo A é vermelho, resulta clara a necessidade de aplicação do efeito infringente. O erro material obviamente também pode ocorrer no direito concorrencial pois uma decisão condenatória pode ter por base o fato da empresa condenada ter 90% do mercado; se, nos embargos de declaração, for reconhecido o erro material e ficar claro que a empresa condenada tinha apenas 9% do mercado, também resulta clara a necessidade de aplicação do efeito infringente.
Conclusão
Os embargos de declaração no processo administrativo do Cade (i) podem ser opostos contra qualquer decisão e não apenas contra aquelas proferidas pelo Plenário do Cade, (ii) podem ter efeito suspensivo e (iii) podem ter efeito infringente.
¹ “Embargos de declaração”, RT, São Paulo, 2017, págs. 15/16
² Obra citada, pág. 52
³ Obra citada, pág. 53