Na última semana o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) divulgou o novo “Guia Prático de Análise de Aumentos de Preços de Produtos e Serviços”, iniciativa da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), com orientações básicas e roteiro de atuação para os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), fornecedores, e para toda a sociedade em casos de suspeita de elevação injusta de preços.
Nos termos do Guia, a caracterização de um aumento abusivo de preços – i.e., a elevação sem justa causa de preços de produtos ou serviços – parte das seguintes premissas: (i) os preços livres são cruciais para o funcionamento de mercado; (ii) os aumentos de preços podem ser justificados, por exemplo, pelos aumentos dos custos do mercado ou por alterações no equilíbrio entre oferta e demanda; e (iii) a livre concorrência e o combate às infrações à ordem econômica são fundamentais no combate à especulação dissimulada e deliberada de preços em mercados com estruturas pouco competitivas ou que momentaneamente enfrentem distúrbios atípicos (como é o caso da pandemia da Covid-19). Partindo desses elementos, as autoridades públicas devem considerar intervir apenas de forma excepcional e quando houver indícios de arbitrariedades e distorções deliberadas e injustificáveis.
Para atuação das autoridades, o Guia propõe um roteiro de atuação quando houver suspeita de preços abusivos:
- Identificação/registro da prática potencialmente abusiva, momento em que devem ser levantados e analisados indícios preliminares para uma tomada de decisão sobre atuar ou não atuar na situação identificada. Tal identificação se daria, por exemplo, com a verificação de aumentos de preços que extrapolem o contexto e os efeitos de choques de ofertas e demandas específicos, além de consulta aos principais índices de inflação para ponderação sobre existência de reajuste excepcional. A decisão de não atuar diretamente (por exemplo, não instaurando um processo administrativo sancionador) deve ser tomada se não houver todos os elementos necessários para concluir acerca da arbitrariedade no aumento de preços, ou se o resultado final da sua atuação puder trazer mais efeitos negativos do que positivos (como desabastecimento, maior concentração do mercado ou mesmo insegurança jurídica).
- Encaminhamentos preliminares para análise de autoridades competentes. Caso haja indícios de outras condutas correlatas ao aumento abusivo, o procedimento deve ser encaminhado para outras autoridades. A título de exemplo, se houver indício de colusão, o Cade deve ser comunicado; se o suposto abuso envolver mercado regulado, deve haver articulação com o órgão regulador específico; se houver suspeita de crime contra a economia popular, o procedimento deve ser compartilhado com o Ministério Público etc.
- Verificação de existência de exploração de situações específicas para aumento de preços, por exemplo, exploração de emergências e calamidades para aumentos abusivos. O Guia também traz recomendações específicas para análises de aumentos de preços no setor de serviços, ou em relação a cestas básicas e produtos alimentícios.
- Análise econômico-jurídica aplicável. Nesta fase, a análise deve ser feita caso a caso, a partir de critérios técnicos e objetivos para o aumento de preços constatado. Nesse sentido, o Guia destaca que “como se sabe, o aumento “per se” nem sempre constitui critério suficiente para constatação da “abusividade” dos agentes econômicos”. Desse modo, o guia recomenda que a análise econômica-jurídica siga as seguintes etapas: (i) identificar o produto em que se quer verificar a ocorrência da abusividade; (ii) identificar as empresas que concorrem neste mercado; (iii) identificar os elementos que fazem parte da cadeia produtiva, incluindo matéria-prima; (iv) solicitar notas fiscais de compra e de venda com uma série histórica confiável, recomendando ao menos uma série de 3 meses (90 dias); e (v) identificar existência de racionalidade econômica no aumento de preços ou se é mero oportunismo empresarial (situação em que restaria configurada a abusividade).
- Encerramento, com arquivamento ou aplicação de sanção cabível ao agente investigado.
O Guia destaca como órgãos competentes para tratar do tema (seja de forma preventiva ou corretiva): a Secretaria Nacional do Consumidor que coordena o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia (SEAE-SEPEC/ME), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), os órgãos administrativos de proteção e defesa do consumidor, estaduais, do Distrito Federal e municipais (Procons), o Ministério Público, a Defensoria Pública, e por fim, as Agências Reguladoras nos casos de mercados setoriais. Isso é, o Guia parte de uma atenção abrangente e expansiva de autoridades públicas e da sociedade civil na fiscalização e monitoramento dessa prática.
O MJSP reforça, ainda, que procedimentos sancionatórios[1] não são os únicos mecanismos disponíveis aos órgãos de defesa do consumidor para o cumprimento de suas missões institucionais, para prevenção, supervisão e correção de eventual conduta que podem e devem ser utilizadas, tais como: análises, expedição de orientações e até recurso à Convenção Coletiva de Consumo descrita no CDC, art. 107, entre entidades civis de defesa do consumidor e fornecedores.
[1] Em relação a isso, relembra até mesmo a previsão do Decreto nº 2.181/1997 (normas de aplicação de sanções administrativas previstas no CDC) que, em seu art. 33, §4º, estabelece que a autoridade administrativa poderá deixar de instaurar processo administrativo sancionador, sempre mediante ato motivado, na hipótese de baixa lesão ao bem jurídico tutelado (inclusive quando comparado aos custos de persecução). Neste caso, deverá utilizar outros instrumentos e medidas de supervisão, observados os princípios da finalidade, da motivação, da razoabilidade e da eficiência.