Ministério da Fazenda do Brasil Propõe Novo Marco Regulatório para Plataformas Digitais

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10/10/24

O Ministério da Fazenda do Brasil apresentou uma série de medidas visando regulamentar as plataformas digitais, que se tornaram uma parte essencial do ecossistema econômico moderno. As propostas foram delineadas durante uma coletiva de imprensa, onde o Ministério compartilhou detalhes do novo marco regulatório projetado para lidar com a crescente influência dessas plataformas em mercados como e-commerce, fintech e redes sociais. Simultaneamente, foi divulgado um relatório com a análise e as principais conclusões. Abaixo, apresentamos os principais pontos levantados tanto na coletiva de imprensa quanto no relatório:

  1. Justificativas para as Novas Medidas Regulatórias

O relatório do Ministério fornece uma revisão abrangente do estado atual das plataformas digitais, enfatizando o papel significativo que desempenham ao conectar consumidores, prestadores de serviços e anunciantes. De acordo com o relatório, as plataformas se beneficiam de fortes efeitos de rede, o que significa que seu valor cresce à medida que mais usuários aderem. Essa mesma dinâmica levou ao domínio de mercado por algumas poucas grandes empresas, limitando a concorrência e gerando preocupações sobre a privacidade de dados.

Baseando-se em exemplos internacionais, o relatório compara a proposta brasileira a modelos regulatórios dos Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e Japão. Conclui que as leis antitruste atuais são insuficientes para lidar com os desafios únicos impostos pelas plataformas digitais. Diante disso, o Ministério optou por uma abordagem regulatória híbrida que combina medidas preventivas vistas na Europa com os mecanismos reativos a, a princípio, mais flexíveis e adaptáveis para cada plataforma e/ou serviço específico prestado aos usuários.

O relatório indica que as propostas serão apresentadas ao Congresso nos próximos meses, possivelmente por meio de um projeto de lei apoiado pelo governo. Mudanças legislativas são essenciais para dar ao Cade, a autoridade de concorrência do Brasil, o poder de designar certas plataformas como “gatekeepers” (ou, na linguagem adotada, plataformas com relevância sistêmica e impor obrigações específicas a elas.

  1. Principais Propostas do Relatório

O relatório do Ministério inclui várias propostas-chave, resumidas abaixo:

Proposta 1: Designação de Plataformas de Relevância Sistêmica

Um novo instrumento legal permitirá ao Cade designar agentes econômicos de relevância sistêmica em mercados digitais, com base em uma combinação de critérios qualitativos e quantitativos. Essa designação identificará plataformas que possuem um poder de mercado significativo devido ao seu tamanho, base de usuários e papel em mercados de múltiplos lados.

  • Critérios qualitativos: serão consideradas plataformas com fortes efeitos de rede, mercados de múltiplos lados, acesso a grandes quantidades de dados pessoais e comerciais e a provisão de múltiplos serviços digitais.
  • Critérios quantitativos: limiares mínimos de receita garantirão que apenas grandes players econômicos sejam sujeitos à designação, evitando a regulamentação excessiva de empresas menores.
  • Processo de designação: o processo pode ser iniciado pelo Cade ou por terceiros, incluindo organizações da sociedade civil, com todas as decisões sujeitas à aprovação do Tribunal do Cade.

Proposta 2: Imposição de Obrigações Procedimentais e de Transparência

Uma vez designadas, as plataformas podem estar sujeitas a obrigações gerais e específicas, conforme avaliação do Cade. Essas obrigações visam garantir a concorrência leal e fornecer clareza para os consumidores e outras partes interessadas.

  • Obrigações gerais: as plataformas designadas podem ser obrigadas a notificar o Cade sobre qualquer fusão ou aquisição e aderir a requisitos de transparência relacionados a seus serviços e produtos.
  • Obrigações substantivas específicas: podem incluir exigências positivas e negativas, como modificar práticas comerciais, garantir o acesso a dados por terceiros e possibilitar a interoperabilidade com outras plataformas. As plataformas também podem ser restringidas em práticas de self-preferencing, nas quais elas priorizam seus próprios serviços em detrimento dos concorrentes.
  • Monitoramento e conformidade: as plataformas podem ser obrigadas a fornecer relatórios regulares ao Cade, demonstrando conformidade com as obrigações gerais e específicas.

Proposta 3: Modificações na estrutura do Cade

O Cade terá autoridade para impor obrigações às plataformas designadas com base em uma investigação detalhada do modelo de negócios de cada empresa. Essas obrigações serão ajustadas para lidar com os riscos específicos apresentados por cada plataforma. Uma unidade especializada dentro do Cade deverá ser criada para gerenciar o processo de designação e monitorar as obrigações impostas a essas plataformas. Esta unidade colaborará com outros reguladores, como a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), para garantir a conformidade específica do setor.

  1. A lista completa de propostas

As propostas se concentram na criação de novos instrumentos legais para designar plataformas de relevância sistêmica e no ajuste das ferramentas antitruste existentes para lidar melhor com os desafios únicos impostos pela economia digital. De acordo com o relatório e os discursos durante a coletiva de imprensa, essas medidas visam aumentar a concorrência, a transparência e a supervisão regulatória em mercados de múltiplos lados, garantindo que plataformas com poder de mercado significativo estejam sujeitas a um escrutínio e obrigações adequados.

As propostas também destacam a importância da colaboração entre os órgãos reguladores para garantir a aplicação eficaz e a conformidade em um cenário digital em rápida evolução.

Grupo 1 – Novo Instrumento para Promover a Concorrência em Plataformas de Relevância Sistêmica

  • Proposta 1: Estabelecer um procedimento para designar plataformas de relevância sistêmica com base em critérios qualitativos e quantitativos, como mercados de múltiplos lados, efeitos de rede e limites de receita.
  • Proposta 2: Introduzir obrigações procedimentais e de transparência para plataformas designadas, incluindo notificações prévias de fusões e transparência nos serviços e termos de uso.
  • Proposta 3: Permitir que o Cade investigue plataformas designadas e imponha obrigações substantivas específicas para abordar questões de concorrência.
  • Proposta 4: Criar uma unidade especializada dentro do Cade para implementar e monitorar o novo instrumento pró-concorrência para plataformas designadas.
  • Proposta 5: Implementar obrigações substantivas em colaboração com reguladores como Anatel e ANPD para tratar de questões técnicas e específicas do setor.
  • Proposta 6: Fortalecer as capacidades do Cade para conduzir estudos de mercado, concedendo poder de análise proativa ao Departamento de Estudos Econômicos.
  • Proposta 7: Criar um fórum de cooperação interinstitucional entre o Cade e outros órgãos federais para facilitar o intercâmbio de informações e a colaboração em questões de mercados digitais.

 Grupo 2 – Ajustes na Aplicação de Ferramentas Antitruste para Plataformas em Geral

  • Proposta 8: Atualizar as ferramentas de análise antitruste para incorporar análises de redes e ecossistemas para avaliar riscos competitivos em plataformas digitais.
  • Proposta 9: Revisar o formulário de notificação de fusões do Cade para incluir questões específicas sobre dinâmicas de mercado digital, como efeitos de rede e uso de dados.
  • Proposta 10: Adotar o processo ordinário para a análise de fusões envolvendo plataformas digitais com um grande número de usuários, permitindo uma análise mais profunda.
  • Proposta 11: Utilizar a flexibilidade da Lei 12.529/2011 para exigir a submissão de fusões que apresentem riscos competitivos, mesmo que não atendam aos critérios de notificação formal.
  • Proposta 12: Atualizar os limites de receita para notificações prévias de fusões, permitindo que o Cade concentre seus recursos em transações com maior impacto competitivo.

Próximos Passos

O Ministério da Fazenda enfatizou que esse marco regulatório visa criar uma abordagem equilibrada, garantindo que as plataformas digitais contribuam para um mercado competitivo, transparente e justo no Brasil. As propostas passarão por um escrutínio adicional após serem apresentadas ao Congresso, e o Ministério prevê que as discussões continuarão nos próximos meses.