Durante a 195ª Sessão Ordinária de Julgamento (SOJ), realizada em 27/04/2022, o Tribunal do Cade discutiu novamente a possibilidade de responsabilização de pessoas físicas sem poder de decisão em uma empresa, em decorrência de um cartel de que essa empresa tenha participado[1].
A conduta discutida na 195ª SOJ foi um suposto cartel onde algumas das pessoas físicas representadas não ocupavam cargos de direção ou função de chefia nas respectivas empresas. Houve, inclusive, pessoas nessa condição que celebraram Termo de Compromisso de Cessação com o Cade (TCC).
A Conselheira-Relatora Lenisa Prado entendeu que as pessoas que não participavam da direção das empresas não tinham poder para comprometê-las na participação em acordos anticompetitivos. Sem competência para tomar decisões quanto a preços e divisão de mercado, essas pessoas não teriam a possibilidade de praticar infrações à ordem econômica. Em sua visão, essa condição se estenderia também para as pessoas que celebraram TCCs com o Cade, devendo haver arquivamento do processo pela ausência de poder de decisão e não pelo cumprimento do acordo (como usualmente ocorre).
O Conselheiro Sérgio Ravagnani ressaltou que havia representados no processo que agiam sob ordens de superiores hierárquicos, o que deveria afastar sua responsabilização. Em sua visão, a Lei n.º 12.529/2011 instituiu um regime em que há:
(i) responsabilidade objetiva da pessoa jurídica (art. 37, I, da Lei n.º 12.529/2011);
(ii) responsabilidade também objetiva de uma pessoa física que se constitui como um centro decisório autônomo (art. 37, II, da Lei n.º 12.529/2011); e
(iii) responsabilidade subjetiva do administrador (art. 37, III, da Lei n.º 12.529/2011).
Assim, em casos de pessoa física não administradora, a responsabilidade só seria atraída nos casos em que a pessoa é um centro autônomo de decisões e, portanto, não tem uma relação de hierarquia ou subordinação a outra. Apesar disso, com relação às pessoas que fizeram acordos, o Conselheiro Sérgio Ravagnani entendeu que o arquivamento deveria se dar pelo cumprimento dos respectivos acordos (e não pela ausência de poder de decisão).
Em sentido contrário, o Conselheiro Luiz Hoffmann entendeu que não é possível afastar a responsabilidade de pessoas físicas não administradoras pela prática de infrações. Além disso, frequentemente, pessoas físicas não administradoras, como gerentes comerciais, coordenadores e representantes de vendas, são responsáveis por implementar e operacionalizar cartéis. Considerando a gravidade da conduta, que é, inclusive, tipificada como crime, não seria possível presumir que um funcionário da equipe de vendas não tivesse consciência da ilicitude e da reprovabilidade de seus atos.
Esse último entendimento foi adotado pela maioria do Tribunal do Cade, que condenou as pessoas físicas não administradoras, ainda que elas não tivessem poderes de decisão, e arquivou o processo com relação às pessoas físicas não administradoras que celebraram TCCs e acordo de leniência em razão do cumprimento dos respectivos acordos (e não pela ausência de poder de decisão).
[1] Processo Administrativo nº 08700.003396/2016-37.