Cade publica novo Guia de Recomendações probatórias para propostas de Acordo de Leniência Antitruste

O Cade recentemente disponibilizou o “Guia de Recomendações probatórias para propostas de acordo de leniência com o Cade”, visando a orientar o poder público sobre os parâmetros probatórios no momento de negociação de acordos de leniência antitruste. O novo Guia também traz importantes referências a empresas proponentes de acordo, aptas a balizar investigações internas e levantamentos de informações e documentos a serem reportados em históricos da conduta.

Apesar de ser formalmente voltado para propostas de acordo de leniência com o Cade, o documento é bastante relevante para outras frentes de atuação junto à Autoridade Antitruste, como negociações de Termo de Compromisso de Cessação de prática – TCC e mesmo em investigações de condutas bilaterais de forma geral. Além disso, o Guia conta com subsídios relevantes para a elaboração de programas de compliance concorrencial.

A novidade das recomendações recém-publicadas em relação ao primeiro Guia do Programa de Leniência Antitruste (2017) – que já trazia orientações sobre o tipo de informações e documentos que devem ser apresentados pelos proponentes do acordo[1] – está na ampla jurisprudência do Tribunal do Cade relacionada e categorizada no novo documento. A partir de decisões em casos de cartel e de influência à adoção de conduta comercial uniforme de 1993 a 2020, o Cade estabelece os padrões de provas diretas e indiretas usualmente aceitos ou rejeitados no Tribunal.

Com isso, o Guia pode balizar expectativas dos proponentes em relação ao potencial de seus documentos efetivamente comprovarem a infração narrada, de acordo com o entendimento histórico do próprio Cade. Seria possível, desse modo, diminuir as situações em que são feitos acordos de leniências carentes de subsídios, baseados principalmente na expectativa de provas levantadas em diligências futuras ou em acordos de TCC (expectativa que pode ser frustrada), além de reduzir a divergência de entendimentos entre a Superintendência-Geral (órgão que assina o acordo) e o Tribunal do Cade (órgão que pode efetivamente condenar a conduta reportada).

Para tanto, o Guia reforça a necessidade da revisão jurisprudencial para delimitar alguns parâmetros na adoção do padrão mínimo probatório. Apesar disso, o Guia reforça que a atividade investigativa é dinâmica e que é possível haver situações que fogem dos padrões jurisprudenciais.

A revisão de precedentes do Cade é apresentada no Guia por oito tópicos principais, acompanhados de anexos com trechos das decisões referenciadas. São eles: (i) exemplos de provas de cartel na casuística do Tribunal do Cade; (ii) provas diretas da existência de acordo; (iii) provas indiretas de acordo; (iv) provas dos efeitos da conduta no Brasil; (v) suficiência do conjunto probatório; (vi) provas consideradas insuficientes quando apresentadas isoladamente; (vii) validade das provas apresentadas; e (viii) provas do nível de institucionalidade da conduta.

O Guia conclui que diversos foram os tipos de provas aceitas pelo Tribunal para condenar carteis. As provas diretas são muito valorizadas, mas provas indiretas também conseguem basear uma condenação quando apresentadas em bom número. Além disso, também considera que o Tribunal do Cade valoriza análise holística de provas, ou seja, provas que comprovam a conduta por inferência das circunstâncias, quando apresentadas principalmente em um conjunto probatório diverso e vasto. Para condutas ocorridas no estrangeiro, demonstrou-se imprescindível a demonstração de efeito potencial ou efetivo no mercado nacional.

Ainda, o Guia indica provas que apresentadas isoladamente já foram consideradas insuficientes para condenação. Os exemplos trazidos são: documentos constando manifestação apenas de um representado, especialmente quando colaborador (signatário de acordo de leniência ou termo de compromisso de cessação de conduta); documentos com registros econômicos de paralelismo de condutas; registros de ligações telefônicas; menções a pessoa física ou jurídica em comunicações de terceiros; documentos sem autoria e/ou data; participação em e-mail como copiado; agendamentos de/menções a reuniões; e denúncias anônimas.

Sobre a validade das provas apresentadas, os precedentes apontam que o Tribunal considera válidas gravações telefônicas efetuadas por um dos interlocutores; provas resultantes de busca e apreensão cível, desde que judicialmente autorizadas, inclusive aquelas decorrentes de encontro fortuito; provas emprestadas, inclusive de processos criminais em que houve interceptação telefônica ou busca e apreensão judicialmente autorizadas; documentos em língua estrangeira e laudos periciais.

Por fim, o Guia ressalta a relevância da avaliação do nível de institucionalidade da conduta, constatação a qual influencia inclusive na punição aplicada. Havendo comprovação de existência, perenidade e institucionalidade do conluio, a conduta é considerada como cartel clássico (ou hard core) e, ao contrário, quando as provas indicam a inexistência de uma estrutura organizacional, a conduta é considerada um cartel difuso (ou soft core).

O novo Guia pode ser acessado na íntegra aqui.